Atualmente tem sido muito comum ouvirmos dos pais queixas de que “as crianças estão impossíveis hoje... não dá mais pra controlar os adolescentes... não existe mais respeito nos filhos...” e muitas outras que tem um mesmo núcleo em comum: a idéia de que as crianças e adolescentes do mundo contemporâneo são seres sem limites, que vivem de acordo com seus desejos e vontades, onde não se faz possível qualquer tipo de comunicação.
Colocar a responsabilidade das dificuldades de relacionamento entre pais e filhos nos mesmos, nos parece uma atitude que revela certa dose de imaturidade, o que faz, nesse caso, os pais se aproximarem dos filhos, no que se refere à capacidade de enfrentamento de problemas.
Sem dúvida alguma, o avanço tecnológico tem permitido um maior acesso à redes de informações, o que tem colaborado pra que a nova geração se mostre mais questionadora e com posições com maior sustentação argumentativa. Porém, essa mesma facilidade de acesso às informações podem deixar os adolescentes mais expostos e ter acesso à informações que não necessariamente são pertinentes ou contribuam para o seu desenvolvimento. Além disso, correntes pedagógicas que estimulam o pensamento crítico acabam por colaborar bastante para que esta geração desenvolva um pensar autônomo diferente das gerações anteriores.
Porém, essas mudanças não são as responsáveis pelos conflitos atualmente presentes nas relações pais e filhos, mas sim as profundas alterações que sofreu a família e a sociedade nos últimos anos.
A família sempre teve fundamental importância na formação dos indivíduos. É no seio da família que vivemos nossas primeiras experiências emocionais, nossos primeiros conflitos, onde são transmitidos valores individuais e coletivos, sendo assim, um laboratório para a vida em sociedade. Nesse sentido, a postura adotada pelos pais ainda que nas fases iniciais do desenvolvimento das crianças terão um profundo impacto na forma como os mesmos vão lidar com suas dificuldades em fases ulteriores do desenvolvimento.
E no que a família mudou? A família mudou no sentido de que as funções maternas e paternas estão sendo negligenciadas em relação às necessidades individuais dos progenitores.
Sem dúvida alguma, hoje a sociedade oferece inúmeras possibilidades de crescimento e satisfação de necessidades individuais e a constituição de uma família deixou de ser essencialmente o maior objetivo das pessoas. No entanto, uma vez constituída uma família, uma vez que as pessoas se tornam mães e pais, novos papeis sociais são estabelecidos e com eles novas responsabilidades que não podem – e não devem – ser negligenciadas.
Não estamos com isso defendendo a idéia de que casamentos não podem ser destituídos, que pais não devem se separar em nome dos filhos, longe disso: as pessoas devem sim fazer escolhas em suas vidas e buscarem relações que lhes sejam mais adequadas às suas necessidades afetivas. Aliás, casamentos infelizes, onde os pares se suportam, podem ser muito mais danosos à formação dos filhos. A separação do casal parental é uma experiência dolorosa, sem dúvida, mas também uma experiência de crescimento e aprendizagem para todos. Sendo assim, quando afirmamos que a família mudou, estamos nos referindo ao papel dos pais, independente do fato deles morarem juntos ou não.
Ter filhos e se responsabilizar pelas suas formações como indivíduos é trabalhoso, sem dúvida. Implica em lidar com frustrações, em saber ouvir, em desenvolver capacidade de comunicação, em lidar com o diferente e com sentimentos complexos como impotência, medo, raiva e angústia. Implica em saber falar sim, mas principalmente em saber falar os “nãos” necessários para que os filhos possam ir aos poucos constituindo seus limites e percebendo suas possibilidades. Implica muitas vezes em abrir mão das próprias necessidades de prazer e satisfação pessoal em detrimento de um Outro que precisa de cuidados.
Chama a atenção como esta tarefa tornou-se um fardo para muitos pais. Na verdade, percebe-se que hoje muitas vezes as pessoas querem ter filhos muito mais por vaidade, para se sentir igual ao outro, para constituir uma identidade, do que efetivamente para cuidar de alguém. Conseqüentemente, tais pais delegam à escola, às babás e até aos psicólogos cuidados que são de competência própria.
O que os pais não percebem é o impacto, e o custo que essa des-responsabilização trará às suas relações futuramente. Por exemplo, uma queixa marcante de pais de adolescentes diz respeito ao distanciamento dos filhos, seu isolamento em relação à família e a falta de comunicação. No entanto, ao ouvirmos esses pais no que se refere à períodos anteriores de desenvolvimento dos filhos, percebemos que inicialmente o afastamento foi deles, na medida em que desvalorizavam os conteúdos das conversas com as crianças. Frequentemente nos deparamos com pais que não têm muitos interesses pelas vidas dos filhos, a tal ponto de não terem a menor idéia de quais são seus melhores amigos, o que temem, o que planejam, o que lhes tira o sono. Porque se envolver com o outro dá trabalho... e ter trabalho é exatamente o que as pessoas estão querendo evitar!
Em outras situações até encontramos pais aparentemente envolvidos com o desenvolvimento dos filhos. Aparentemente, porque apesar de nos seus discursos se mostrarem participativos, uma escuta mais atenta aponta para uma necessidade destes em mostrarem para a sociedade suas múltiplas habilidades como pais, revelando novamente pouco comprometimento e pouca percepção das necessidades dos filhos e um comprometimento maior com seu próprio narcicisimo.
Pais são os primeiros modelos das crianças e adolescentes e eles sempre estão atentos ao que é dito e ao que é praticado. Como cobrar dos filhos que respeitem leis e ordens, se os próprios pais estão sempre encontrando uma forma de burlar as leis, parando, por exemplo, em fila dupla na porta da escola? Como cobrar interesse pela leitura, quando os pais muitas vezes são os primeiros a falar que não gostam de ler? Como se pode cobrar o respeito aos pais, quando são eles os primeiros a desrespeitarem seus filhos, seus vizinhos, o pedestre na rua? Como esperar de um filho conversas na mesa quando por tantos anos esses mesmos filhos foram afastados dos pais porque estes estavam cansados e não queriam barulho em volta?
Fica aqui então o nosso recadinho: as relações pais e filhos são constituídas em uma via de mão dupla, o que significa que pais são participantes ativos dessas relações. Não dá para olhar para os filhos e culpabilizá-los por conflitos existentes. Filhos precisam de pais, que tenham a maturidade que eles ainda não desenvolveram para lidar com situações difíceis. Filhos não precisam de pais que se comportam como amigos, ou seja, que se comportam com a mesma imaturidade que eles têm. Precisam de pessoas que os ajudem a desenvolver competências, precisam de orientação, de cuidado, de pessoas que ou auxiliem a ouvir “nãos” e a lidar com toda a gama de sentimentos que muitas vezes os assolam de forma arrebatadora.
Pais são aqueles que não só colaboram na construção de uma sociedade, mas que também são responsáveis pela sua manutenção. Quando nos sentimos em uma sociedade caótica, valeria a pena olharmos para a nossa casa e avaliarmos se o caos não está iniciando e sendo mantido dentro de nossa própria família.
Agora, só uma perguntinha: quando foi a última vez que você sentou com o seu filho para um papo sem compromisso e se dispôs verdadeiramente a ouvi-lo? Sentar e poder ouvir seu filho pode parecer pouco, mas é uma enorme contribuição para o desenvolvimento dele e também da sociedade. É o acolhimento necessário para o desenvolvimento de qualquer indivíduo que antes de encarar o mundo precisa saber que pode contar com um espaço que seja seguro e suporte suas dores, e para os pais mais disponíveis esse encontro pode ser uma maravilhosa experiência de aprendizagem... à dois!
Valdeli e Ana Angelica
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Assinar:
Postagens (Atom)