segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Individualidade versus Personalidades narcísicas

A individualidade é algo real e crescente na atualidade. Pode ser definida como a liberdade e a afirmação do indivíduo diante da coletividade. Em tempos anteriores, as pessoas eram submetidas à valores e normas que ditavam a vida em sociedade. As condições às quais eram submetidas, na maioria das vezes, não coincidiam com seus anseios e projetos de vida. As escolhas eram ditadas pela família ou pelas instituições às quais o indivíduo estava vinculado.
Progressivamente, foi-se vendo a conquista da liberdade. Hoje o homem é norteado por sua razão e vontade, e, sem dúvida, esse é um marco e uma grande aquisição de nossa sociedade.
Se por um lado as conquistas do homem contribuíram para uma maior autonomia e liberdade, temos que analisar outros aspectos que podem ser desencadeados pelo individualismo.
A busca pela realização dos desejos tem contribuído cada vez mais para que posturas individualistas acabem ocorrendo de formas extremadas. Ao privilegiar as vontades particulares, acaba-se deixando de lado os interesses coletivos e a evolução humana acaba ficando estancada, ou até mesmo retrocede. Para defender seu espaço, o indivíduo acaba passando por cima do outro. Desde que eu não seja prejudicado, não importa o que aconteça com o outro. Vemos com isso uma crescente falta de empatia, um egoísmo exagerado, uma insensibilidade e uma intolerância evidente. Perde-se a capacidade de se construir em conjunto e como resultado temos pessoas cada vez mais isoladas em seus ‘mundinhos’.
Essa condição atual pode ser verificada na clínica psicológica, ao nos depararmos com indivíduos com personalidades narcísicas. Essas pessoas são caracterizadas por um padrão invasivo de grandiosidade e necessidade de admiração. Em geral são pessoas que superestimam suas capacidades e exageram suas realizações e subestimam a capacidade dos demais, freqüentemente parecendo presunçosos ou arrogantes. São pessoas com fantasias de sucesso ilimitado, poder, inteligência, beleza ou amor ideal. Geralmente exigem admiração excessiva. Os indivíduos com personalidade narcisista em geral carecem de empatia e têm dificuldade em reconhecer os desejos, experiências subjetivas e sentimentos dos outros. Estes indivíduos freqüentemente desprezam e se impacientam com outras pessoas que falam de seus próprios problemas e preocupações. Quando reconhecem as necessidades, desejos ou sentimentos alheios, tendem a vê-los como sinais de fraqueza ou vulnerabilidade.
Entretanto, atrás de um comportamento auto-suficiente, observa-se que sua auto-estima é, quase que invariavelmente, muito frágil. Eles podem preocupar-se com o modo como estão se saindo e no quanto são considerados pelos outros. Isto freqüentemente assume a forma de uma necessidade de constante atenção e admiração.
Diante desses apontamentos, pode-se pensar ainda na grande dificuldade existente nesses indivíduos para se vincularem e construírem relações sólidas de confiança e amor, uma vez que se consideram auto-suficientes e, por isso, não precisam das demais.
Sem dúvida é um quadro de difícil tratamento na medida em que a vinculação é comprometida e verificam-se com freqüência as atuações. Mas nem por isso, impossível de se trabalhar em análise, desde que se atente para as questões transferenciais e contra-transferenciais.
Muito embora o Transtorno de Personalidade Narcísica atinja menos de 1% da população geral, vale fazermos uma pausa para pensarmos na forma como temos conduzido nossas vidas. Se não temos colocado nossas individualidades tão em primeiro plano, ao ponto de nos esquecermos da riqueza em poder compartilhar com o outro nossos desejos, nossas conquistas, nossas angústias. Não podemos nos esquecer de que é a partir das relações que nos construímos e não há nada que substitua essa riquíssima experiência em nossas vidas.
Ana Angélica e Valdeli